“Ouro do Semiárido” abre apetite de europeus e americanos
Desde que a seca no Semiárido apertou, a partir de 2011, a produção agropecuária na região vem sofrendo bastante com a falta de chuvas. Uma exceção é a apicultura. O estado é o terceiro maior produtor de mel do país, com 45 mil toneladas/ano, e boa parte dessa produção vem de apicultores familiares, que exportam mel orgânico certificado para o resto do mundo. O “ouro do Semiárido”, como é conhecido o mel no sertão, chega às mesas de ingleses, norte-americanos, canadenses, franceses, alemães e holandeses, que pagam caro pelo produto.
Antonio Leopoldino, diretor geral da Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro (Casa Apis), que reúne produtores de mel familiares de três cooperativas, conta que o consumo per capita de mel dos europeus é de 1,4 mil gramas/ano; nos EUA, chega próximo a 1,2 mil gramas/ano. No ano passado, a Casa Apis – que reúne produtores de 40 municípios do Piauí – exportou sozinha mil toneladas de mel. As vendas externas respondem por 87% do mel produzido pela central. Apenas 13% ficam no mercado brasileiro. Isso porque no Brasil consumimos apenas 92 gramas per capita/ano.
“Não temos o hábito de consumo de mel. O pequeno consumo que existe se concentra no Sul e Sudeste, até pela cultura de descendência europeia. Aqui no Nordeste isso está começando a mudar. Quando iniciamos a apicultura na região, entre os anos 1970 e 80, o Brasil produzia 15 mil toneladas de mel ao ano. Saltamos da 18ª para a 11ª posição no ranking da produção mundial. E no ano passado chegamos a 45 mil toneladas”, diz Leopoldino.
Atualmente, o Piauí possui cerca de 350 mil colmeias, que proporcionam o sustento de 12 mil famílias de apicultores. A Casa Apis tem conseguindo ampliar a produção investindo em tecnologia, pesquisa e descobrindo formas de convivência com o Semiárido. Mas o segredo que despertou o interesse dos gringos foi a produção de mel 100% orgânico e ambientalmente correto. “O apicultor é um ecologista nato. A própria atividade nos faz guardiões das nossas reservas naturais. Conseguimos reduzir o índice de mortalidade de abelhas em comparação com 5 anos atrás”, afirma o diretor.
Distribuição de renda
A importância do mel para a economia piauiense é visível. O produto é o terceiro na pauta de exportações do estado, atrás apenas da soja e derivados de soja. A diferença, segundo o Leopoldino, é que o lucro dos grãos está concentrado nas mãos de mil famílias do agronegócio, enquanto o mel é um distribuidor de renda. “O apicultor não precisa ter muita terra, porque para a abelha não existe cerca. E a africanização das nossas abelhas também trouxe mais produtividade e resistência a doenças para os enxames brasileiros.”
Até a China, maior produtor mundial de mel (com produção anual de 404 mil toneladas), está interessada no mel piauiense. “Mas o mel deles é contaminado com agrotóxicos. Porque lá eles trabalham os apiários em cima de culturas estabelecidas, como o girassol. Aqui nós trabalhamos em cima de reservas naturais”, compara Leopoldino. Isso se reflete no preço pago pelos europeus. Enquanto o produto chinês vale US$ 1,3 mil a tonelada, o mel piauiense chega a valer US$ 4 mil a tonelada.
A reportagem da Expedição Agricultura Familiar visitou a agroindústria da Casa Apis em Picos (PI), onde o mel é beneficiado. A estrutura é moderna e conta com sistemas rigorosos de controle de qualidade e controle sanitário. Além disso, a central faz a integração de toda a base produtiva das cooperativas singulares e busca parcerias estratégicas para a comercialização dos produtos. Além disso, presta assistência técnica aos apicultores, com introdução de novas tecnologias e proporcionando o acesso a certificações de fair trade, produto orgânico, sem a presença de transgênicos e com rastreabilidade – requisitos indispensáveis para acessar os mercados globais mais exigentes.
Mel de caju
Apesar de não ser cooperado e sofrer com a ausência de assistência técnica, o produtor José Adilson de Sousa descobriu que juntando dois produtos típicos do Piauí, o mel e o caju, poderia obter renda o ano inteiro, e extrair um produto diferenciado: o mel de caju. “No inverno, a abelha produz um mel mais fino, mais úmido. E na época da florada do caju o mel que ela produz é mais grosso, 100% puro”, compara.
Souza possui 300 enxames integrados com uma plantação de 470 pés de caju, dentro de uma área de 4 hectares. As abelhas ajudam a polinizar os cajueiros e, por sua vez, se beneficiam das floradas para produzir mel. “Ambas as atividades são vantajosas, porque o mel você vai ter na época do inverno e o caju tem produção no verão, de janeiro até abril. São quatro meses de mel e quatro de caju”, explica o produtor.
Em média, Sousa produz 250 latas de 25 kg de mel ao ano e 50 caixas ao dia de caju, tudo em uma área de sequeiro. Tanto o mel quanto as frutas são comercializados nas feiras na região. Santo Antônio de Lisboa, onde ele tem a propriedade, é conhecida como a “capital do caju”, tanto que outro produto derivado da fruta e que Sousa está começando a explorar é a cajuína, o suco clarificado do caju, que ele beneficia em uma pequena agroindústria dentro da fazenda.
A dificuldade é encontrar assistência técnica para superar os desafios. Como a área de plantio não é irrigada, as pragas estão começando a afetar os cajueiros. Sousa pensa em utilizar tratamento químico, mas precisa equilibrar os pesticidas para evitar matar as abelhas.”
José Manoel de Oliveira, agrônomo e coordenador do Projeto Viva o Semiárido no Vale do Guaribas, iniciativa ligada ao governo do estado, explica que, apesar das dificuldades, a combinação mel-caju garante renda para o produtor o ano todo. “O dinheiro acaba circulando. Temos quatro ou cinco fábricas que beneficiam o caju por aqui, além de a fruta ir também para os grandes centros”, pontua.
Já engenheiro agrônomo e consultor da Associação dos Agrônomos da Macrorregião de Picos (Aeamp) Girlan Elton Costa Silva aponta uma saída para combater a escassez de assistência técnica e recuperar pomares que a seca destruiu nos últimos anos. “Há um programa do Pronatec [Ministério da Educação], desenvolvido em parceria com o Banco do Nordeste, cuja ideia é recuperar esses campos. Nesse projeto, de 5 anos, que conta com assistência técnica, o objetivo é aumentar em até 30% a renda dos produtores”, explica. A ideia seria oferecer, entre outras coisas, cursos de capacitação aos produtores.
João Rodrigo Maroni
Especial para a Gazeta do Povo